• A guerra para derrubar a Torre de Babel. Uma conversa com Hugo Maia

  • 2024/07/20
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A guerra para derrubar a Torre de Babel. Uma conversa com Hugo Maia

  • サマリー

  • Antes de vos darmos férias por tempo indeterminado, e de nós mesmos irmos por aí fazer figuras nas estâncias balneares ou, simplesmente, como ursos polares que, por serem incapazes de saltar das placas de gelo, desenvolvem essa forma de camuflagem que passa por se disfarçarem de turistas de modo a colherem este ou aquele benefício fiscal, atiramos mais uma vez o bote para vasculhar com os remos a superfície de um naufrágio de tal modo vasto que tem sabido passar desapercebido. E, porque somos teimosos, voltamos às questões da língua, e com a orientação de Hugo Maia, tradutor a partir do árabe, vamos tentar admirar as subtilezas nas diferenças ou semelhanças entre o lado de cá e o de lá, assinalando alguns aspectos perniciosos no movimento de tradução, em que tantas vezes um texto invade o original, decompondo-o em partes lexicais, gramaticais, num regime de dissecação que traz riscos óbvios, desde logo porque há tradutores que, mesmo cheios de boas intenções, acabam por ferir de morte aqueles textos que procuram verter para outro idioma. Mas há outros perigos, como assinala George Steiner, desde logo essa ideia de ir buscar alguma coisa ao estrangeiro e logo regressar a casa: "o trazer de volta do sentido 'capturado' para a língua e solo nativos". "São Jerónimo, um grande tradutor, refere-se precisamente à tradução quando fala do significado caputrado e levado para casa numa espécie de triunfo romano", adianta Steiner. Tantas vezes a língua é essa arma disfarçada, e à medida que esta se alimenta de significados que lhe são estranhos não é raro que produza uma adaptação que funciona como uma carcaça para consumo pela matilha. De resto, como vinca Pascal Quignard, "com-preender é aprender com outros". "Ora, a predação com outros é a matilha. Deste modo, se compreender nunca é mais do que matar, se perceber nunca é mais do que diferenciar silhuetas que dão medo, toda a praedatio é um transporte de morte, todo o narrador é um regressado do mundo dos mortos, toda a narração impõem uma gramática do passado (é um retorno que não pode dizer o ir senão porque o re-torno teve lugar)." Este mesmo autor esclarece como os homens tão raras vezes têm consciência dos seus processos de predação no que toca ao esforço de traduzir de forma compreensiva uma ideia, uma imagem ou uma narrativa que lhes é alheia, sobretudo se a sua estranheza lhes provocar vertigens. "Os homens raramente abrem os olhos para a anarquia aterradora da crónica humana. Qualquer catástrofe se torna aos olhos humanos, isto é, no fundo da sua memória inevitavelmente linguística, uma prova que tem um sentido. Esse sentido é o de uma saciedade, ou seja, uma paz. O narrador social (o mito) defende sempre a reprodução da ordem social que ele inscreve violentamente no lugar contra o 'parasita' que daí desaloja através do sangue e de quem devora a morte violenta e a aparência e até a recordação. Cada povo distribui a si mesmo os seus feitos orientados, as suas associações a posteriori, as suas mentiras, os seus 'facta falsa', de língua para língua, ou seja, de comunidade para comunidade." Tendo isto em conta, e se são evidentes os benefícios em termos de comunicação e até num plano nutritivo para um idioma absorver os recursos de outro, é preciso também reconhecer como a tradução deve ser exercida como uma tarefa crítica, e não apenas norteada segundo princípios de ordem filológica, uma vez que este transporte de um significado acaba por trair algum do ânimo, seja na forma ou no conteúdo, do texto invadido. Nos séculos das grandes explorações marítimas, as manipulações intermináveis a que foram sujeitas as representações ou narrativas míticas de cada povo iam no sentido de servir os interesses de expansão dos poderes europeus. Estes competiam uns com os outros para conquistar ou controlar faixas de terra cada vez maiores, a fim de poderem explorar e monopolizar os valiosos recursos naturais e mercados das outras nações. Mas e o que ocorreu na forma como se operou o trânsito de ordem cultural e linguístico? Sabemos como naquele processo, tantos povos indígenas foram subjugados e destruídos, tantas lendas apropriadas e e reviradas de forma a servirem os impiedosos interesses ou as narrativas heróicas dos descobridores. Não se trata de propor novas grelhas de revisionismo, mas de não encarar a tradução meramente como um processo técnico, e antes reconhecer que as traduções só se fazem tão impunentemente quando não é tido em conta a diferença de perspectiva e de olhar, até de mundos a que corresponde este ou aquele texto. Quignard compara a tradução a esse processo que passa por dar morte, para depois ingerir, digerir e por fim excretar o original: "o mito transporta o seu conteúdo como o caçador carrega ao ombro um transportado que está ligado a um assassínio anterior ao seu próprio retorno, pois é o assassínio do ...
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あらすじ・解説

Antes de vos darmos férias por tempo indeterminado, e de nós mesmos irmos por aí fazer figuras nas estâncias balneares ou, simplesmente, como ursos polares que, por serem incapazes de saltar das placas de gelo, desenvolvem essa forma de camuflagem que passa por se disfarçarem de turistas de modo a colherem este ou aquele benefício fiscal, atiramos mais uma vez o bote para vasculhar com os remos a superfície de um naufrágio de tal modo vasto que tem sabido passar desapercebido. E, porque somos teimosos, voltamos às questões da língua, e com a orientação de Hugo Maia, tradutor a partir do árabe, vamos tentar admirar as subtilezas nas diferenças ou semelhanças entre o lado de cá e o de lá, assinalando alguns aspectos perniciosos no movimento de tradução, em que tantas vezes um texto invade o original, decompondo-o em partes lexicais, gramaticais, num regime de dissecação que traz riscos óbvios, desde logo porque há tradutores que, mesmo cheios de boas intenções, acabam por ferir de morte aqueles textos que procuram verter para outro idioma. Mas há outros perigos, como assinala George Steiner, desde logo essa ideia de ir buscar alguma coisa ao estrangeiro e logo regressar a casa: "o trazer de volta do sentido 'capturado' para a língua e solo nativos". "São Jerónimo, um grande tradutor, refere-se precisamente à tradução quando fala do significado caputrado e levado para casa numa espécie de triunfo romano", adianta Steiner. Tantas vezes a língua é essa arma disfarçada, e à medida que esta se alimenta de significados que lhe são estranhos não é raro que produza uma adaptação que funciona como uma carcaça para consumo pela matilha. De resto, como vinca Pascal Quignard, "com-preender é aprender com outros". "Ora, a predação com outros é a matilha. Deste modo, se compreender nunca é mais do que matar, se perceber nunca é mais do que diferenciar silhuetas que dão medo, toda a praedatio é um transporte de morte, todo o narrador é um regressado do mundo dos mortos, toda a narração impõem uma gramática do passado (é um retorno que não pode dizer o ir senão porque o re-torno teve lugar)." Este mesmo autor esclarece como os homens tão raras vezes têm consciência dos seus processos de predação no que toca ao esforço de traduzir de forma compreensiva uma ideia, uma imagem ou uma narrativa que lhes é alheia, sobretudo se a sua estranheza lhes provocar vertigens. "Os homens raramente abrem os olhos para a anarquia aterradora da crónica humana. Qualquer catástrofe se torna aos olhos humanos, isto é, no fundo da sua memória inevitavelmente linguística, uma prova que tem um sentido. Esse sentido é o de uma saciedade, ou seja, uma paz. O narrador social (o mito) defende sempre a reprodução da ordem social que ele inscreve violentamente no lugar contra o 'parasita' que daí desaloja através do sangue e de quem devora a morte violenta e a aparência e até a recordação. Cada povo distribui a si mesmo os seus feitos orientados, as suas associações a posteriori, as suas mentiras, os seus 'facta falsa', de língua para língua, ou seja, de comunidade para comunidade." Tendo isto em conta, e se são evidentes os benefícios em termos de comunicação e até num plano nutritivo para um idioma absorver os recursos de outro, é preciso também reconhecer como a tradução deve ser exercida como uma tarefa crítica, e não apenas norteada segundo princípios de ordem filológica, uma vez que este transporte de um significado acaba por trair algum do ânimo, seja na forma ou no conteúdo, do texto invadido. Nos séculos das grandes explorações marítimas, as manipulações intermináveis a que foram sujeitas as representações ou narrativas míticas de cada povo iam no sentido de servir os interesses de expansão dos poderes europeus. Estes competiam uns com os outros para conquistar ou controlar faixas de terra cada vez maiores, a fim de poderem explorar e monopolizar os valiosos recursos naturais e mercados das outras nações. Mas e o que ocorreu na forma como se operou o trânsito de ordem cultural e linguístico? Sabemos como naquele processo, tantos povos indígenas foram subjugados e destruídos, tantas lendas apropriadas e e reviradas de forma a servirem os impiedosos interesses ou as narrativas heróicas dos descobridores. Não se trata de propor novas grelhas de revisionismo, mas de não encarar a tradução meramente como um processo técnico, e antes reconhecer que as traduções só se fazem tão impunentemente quando não é tido em conta a diferença de perspectiva e de olhar, até de mundos a que corresponde este ou aquele texto. Quignard compara a tradução a esse processo que passa por dar morte, para depois ingerir, digerir e por fim excretar o original: "o mito transporta o seu conteúdo como o caçador carrega ao ombro um transportado que está ligado a um assassínio anterior ao seu próprio retorno, pois é o assassínio do ...

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