Enterrados no Jardim

著者: Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho
  • サマリー

  • Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho à conversa, leve ou mais pesarosamente, fundidos na bruma da época, dançando com fantasmas e aparições no nevoeiro sem fim que nos cerca, tentando caçar essas ideias brilhantes que cintilam no escuro, ou descobrir a origem do odor a cadáver adiado, aquela tensão que subtilmente conduz ao silêncio, a censura que persiste neste ambiente que, afinal, continua a sua experiência para instilar em nós o medo puro. Vamos desenterrar, perfumar e puxar para o baile os nossos amigos enterrados no jardim, e deixar as covas abertas para empurrar lá para dentro aqueles que só aí andam a causar pavor e fazer da vida uma austera, apagada e vil tristeza.
    © 2024 Enterrados no Jardim
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エピソード
  • A liturgia dos fogos na época de Job
    2024/09/19

    Em geral, as notícias que nos chegam da realidade lêem-se como episódios de uma qualquer ficção descontrolada, e depois de nos provocarem alguma indisposição, levam cada um a subscrever e afundar-se nesses canais de inanidades. As pessoas já nem se aferram a um resquício de esperança, simplesmente escavam as suas vidas como buracos, submergem-se nos seus delírios e compulsões. Perdemos o direito à acção, mesmo na sua forma desesperada. As nossas bibliotecas vão florescendo em torno de ruínas, prestando testemunho das muitas realidades que desapareceram para sempre, e, deixando em nós a sensação de em breve a própria realidade poderá desaparecer. Nas livrarias, ao lado dos relatos mais pessimistas temos esses mastigadores de palavras brandas e as suas ficções edulcoradas ou as autobiografias soluçantes e complacentes. Não vivemos sujeitos apenas a uma crise da imaginação, mas a uma fé negativa, a programas que dinamitam o infinito, as forças daquilo que deveria empurrar-nos para outro tempo. Prescindimos desse saber essencial que nos lembrava que somos habitantes de um mundo rigoroso, e que está inscrito em tudo uma ordem. Hoje tudo o que emerge tem de forçar o caminho, tudo o que nasce, nasce de imediato para a guerra, toda a esperança chega-nos aos ouvidos como um cântico de morte. No discurso daqueles que são sensíveis às novas causas, cada uma das suas palavras surge como um milagre de sobrevivência, como se fosse vegetação nascida do betão. Nas raízes da poesia, como nos lembra Borges, “está a épica e a épica é o género poético primordial, narrativo”. “Na épica está o tempo, na épica existe um antes, um enquanto e um depois”, adianta o majestoso fabulista argentino. Mas o homem da imortalidade que se transmite pelo canto da boca de uma geração ao ouvido da seguinte, e deixou-se degradar e submeter ao ciclo constante do consumo e à neurose patrocinada pelos efeitos publicitários, que gerou “uma segunda natureza do homem que o liga, libidinal e agressivamente, à forma da mercadoria”, diz-nos Marcuse. “A necessidade de possuir, consumir, manusear e renovar constantemente bugigangas engenhosas, dispositivos, instrumentos, mecanismos, oferecidos e impostos às pessoas para que usem esses produtos mesmo com risco da sua própria destruição, tornou-se numa necessidade ‘biológica’.” Antes, um sinal do espanto nos homens era a forma como resistiam à literalidade, a alimentar cada apetite mal este se lhe impusesse, havia um sentido de que o gosto se educada, e que em lugar de um fruto qualquer, há possibilidade de afinar a fome e alcançar aqueles amadurecidos ao longo de milénios, com um sabor enriquecido por migrações e regressos. Era outra coisa aquilo que buscávamos, e ainda persistem uns poucos por aí, que resistem a abdicar do tempo que se rege segundo o ritmo e a disponibilidade humana, alguns que se mostram capazes ainda de colher e remontar outras épocas, “esvaziar uma música como um saco (…) ordenhar um vinhedo como uma vaca/ desarvorar vacas como veleiros/ pentear um veleiro como um cometa/ desembarcar cometas como turistas/ enfeitiçar turistas como serpentes (…) depenar uma bandeira como um galo/ apagar um galo como um incêndio/ vogar em incêndios como em oceanos/ ceifar oceanos como searas/ repicar searas como sinos/ esquartejar sinos como cordeiros (…) tripular crepúsculos como navios/ descalçar um navio como um rei/ pendurar reis como auroras/ crucificar auroras como profetas” (Huidobro)… Não faz muito tempo, os homens ainda falavam entre eles uma linguagem de incêndios, tinham um vigor que se alimentava na natureza de forma a transcendê-la. Hoje, somos incapazes de colher uvas nos espinheiros ou figos nos cardos. Mesmo a literatura deixou de se exercer em flagrante delito. A velocidade substitui o tempo enquanto ordem ou efeito que impedia tudo de suceder em simultâneo e, desse modo, encadear algum tipo de nexo narrativo. Somos projectados na inconsciência pelo ruído de todos esses “acontecimentos que não têm o seu próprio lugar no tempo, os acontecimentos que chegaram tarde demais, quando todo o tempo já foi distribuído, dividido, desmontado, e que ficaram em suspenso, não alinhados, flutuando no ar, sem lar, errantes” (Bruno Schulz). Hoje a própria espécie humana perdeu a ligação com a realidade, e deriva em suspenso, impondo as suas ilusões como uma doença que procura paralisar todos os ciclos.

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  • Marialvas, beatos, estrategas do armário
    2024/09/12
    Ao que parece a maior ambição do português é deixar de o ser. Ele viaja para ir descobrir a sua verdadeira nacionalidade, e adora cumular esses traços admiráveis dos povos como ele os fantasia e reconhecer-se aqui e ali, como quem recolhe diferentes opções num buffet. Portugal é o lugar onde o seu exílio se cumpre, e o país serve apenas para tornar ainda mais pronunciado o contraste, para engrandecê-lo. O herói português tem de ter pelo menos uma costela estrangeira, e fala por referência a este sítio como o lugar onde a aventura do seu sangue encalhou. Se o brasileiro é um feriado, como notou Nelson Rodrigues, por cá o nosso reaça de estimação garante que temos a praia como nossa mitologia. A copiar o estilo MECDonald, o Mexia diz que pouco importa onde fazemos praia, que esse verbo, “fazer”, diz tudo, e faz da praia uma actividade, algo que permite pôr um modo da acção nos momentos em que não se está a fazer puto. É um pouco a condição de todos aqueles que mais fazem por cá, ou seja, o aparecer em público a dizer e fazer o que os outros fazem em privado, isto basta para se elevarem a figuras de relevo, uns autênticos mitos nacionais. É o caso dele, e daqueles amigos que ele nas crónicas insiste que tem, mas só naquelas em que não nos vem falar de traições e intrigalhadas a que ele vai aludindo sem nunca explicitar, sempre que, para vir mandar recados, gosta de se travestir de grande parabolista. Ele garante que a praia não é apenas uma estância, uma experiência, uma temporada, que é também uma memória que nos define, e que ele e os amigos todos falam longamente das praias que frequentam ou frequentaram, as praias da infância e depois aquelas que servem para gastar alguma crónica de verão a vir-nos com os seus hábitos e a sua etiqueta balnear. Felizmente, por este ano já nos livrámos, não só dessas zonas mitológicas, como dessas feitorias. Setembro veio com maus modos, antecipou o frio e deu um encontrão aos nossos capitães da areia. Mas esta ideia de não se fazer nenhum, não se transformar nem introduzir nada de novo tem provado ser uma carreira extraordinária e um regime de cumplicidades fabulosas para aqueles que alargaram a tantos outros campos da nossa vida pública este modelo de laborioso fare niente. Veja-se o humor português que desenvolveu recentemente esta vertente tão proveitosa de copiar tudo tal como está e vir desenhar um bigodinho em horário nobre diante de uma plateia que em vez de marchar está para ali na galhofa, a assistir a uma montagem de excertos da realidade como ela é apercebida pelo olho do cu das nossas estações televisivas. O país já nem se reconhece a não ser que esteja a dar na televisão, e não se ri sem ter um maestro para fazer esses recortes e dar os sinais com a batuta: agora todos. E eles riem-se. Do quê? Do país, claro. Com o qual eles não têm nada a ver, pois no fundo são estrangeiros. O cinismo e a hipocrisia consumiram todas as expressões de reflexão, e a cultura portuguesa apenas se deixa enquadrar num regime anedótico. Enquanto isso, a educação moral e religiosa concebe o seu inferninho mediático e distribui a vergonha, a culpa e, por fim, a redenção, e boa parte dos nossos humoristas não passam de padrecas. A chave burocrática na base deste enredo é a capacidade de se lidar com a chatice, as tristuras e a miséria nacional revertendo-as em motivos de chacota… contra os portugueses, mas nunca contra si mesmo. Este é o grande subterfúgio, a única forma de funcionar eficazmente num ambiente que exclui tudo o que seja vital e humano. De respirar, por assim dizer, sem ar. Esse tédio que noutras partes corrói as pessoas na sua relação com o quotidiano, por cá transforma-se numa estratégia de clivagem e num álibi, e ainda numa ocupação desdenhosa. É uma receita de escabeche para consumir os complexos e falhas de carácter que se imputa sempre aos demais. Assim, e servindo-nos da pista fornecida por Foster Wallace, a chave para criar esta desafeição passa por esta capacidade, inata ou adquirida, de encontrar o outro lado da miséria, da inércia, da ninharia, da mesquinhez, da repetição, da complexidade sem sentido. De ser, em resumo, imune à nossa condição comum. Mas esta forma de imunidade acaba por revestir toda uma formação para a indiferença, e podemos sempre contar com os nossos palhaços cínicos para presidirem em horário nobre à grande homilia em que, em vez de uma hóstia, cada um cospe na pia onde alguma representação nossa é posta a arder. Esta capacidade de se anestesiar face à realidade que nos é comum não seria possível sem um quadro mediático que se especializou em alimentar esses complexos e a ideia de que o riso alarve é o melhor remédio. O limbo foi abolido pelo Vaticano, e uma vez que estava por aí, num desses caixotes dos saldos metafísicos, foi comprado por uns patacos e instalado por aqui enquanto programa de ...
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    2 時間 53 分
  • A guerra de tronos e os paquidermes ilhados
    2024/09/04
    Antes de partirmos, todos entendemos que as férias poderão elevar a um estatuto lendário as nossas existências neuróticas. Faz parte das fantasias pequeno-burguesas ir tracejando nalgum canhenho as metas secretas da vaga peregrinação que cada um se promete. Para não desiludirmos o quadro que nos envolve, também fomos ver essa coisa do verão, esse negócio familiar que impinge desde há décadas, e com indesmentível sucesso, retratos e molduras que, passados anos, têm essa capacidade de apanhar-nos tão maltratados que nos pomos a remexer no passado e acabamos embevecidos diante de um tempo que se fixou nas leves linhas de um desenho, servindo estas à composição de uma elegante melancolia heráldica. Fomos ver o mar, que não quis engolir-nos, sentindo que o enjoo que trazíamos era demasiado pesado até para ele. Regressamos, assim, a estas lides maldosas como dois enjeitados, com a fenda ou a racha do carácter ainda mais pronunciada. E vimos a fazer aquela fita de quem virara costas, com o desejo de se reformar, limpar a sujeira debaixo das unhas da alma, recolher-se nalgum grupo de canto coral, e logo quando queríamos deixar a carreira de perversidade para trás, eles puxam-nos de volta. Se pensarmos nisso, é curioso como as Histórias da Literatura nos seus anais quase sempre passam ao lado das formas de corrupção mundana que marcam cada um dos períodos, quase nem se acham registos da maledicência, da bisbilhotice, da pretensão ou do calculozinho, não há compêndios que nos permitam relativizar o desgosto diante do ranço que caracteriza estes dias permitindo-nos colher antecedentes escabrosos, exemplos da desonestidade, do fanatismo estúpido ou vingativo de outras épocas. Como assinalou Max Aub, “nos documentos nunca há filhos da puta. E Deus sabe que eles são incontáveis". Por cá, tudo se confunde. Vivemos cercados de uma gente que põe e dispõe segundo as suas conveniências. Já traficam indistintamente a realidade e as superstições, promovem juízos absurdos, sempre subjugados às lógicas do consumo. Qualquer agremiação de nabos tem o seu quartel, e em vez de manter em estado de anarquia o âmbito dos seus desejos, deliram com hierarquias, com esses títulos sempre infinitamente insignificantes. A mesquinhez toma conta das suas performances, entregando-se a uns dramas caricatos na ânsia de se representarem como altas dignidades. Se em tempos podia contar-se com um número apreciável de escribas que não queriam nada com as distinções ou os snobismos bacocos que caracterizam o campo cultural e quem lá anda, que lançavam o seu desafio e se borrifavam nas corridas de lebres, rindo dos que buscam por todos os meios entronizar-se, hoje são estes que se vêem denunciados e sujeitos a isolamento. Certa vez, Pierre Bourdieu exprimiu da forma mais eloquente a sua desilusão diante dos chamados intelectuais... “Quando disse, no início, que esperava que o senhor [Günther Grass] fosse 'abrir a boca', é porque penso que as pessoas consagradas são as únicas capazes, em certo sentido, de 'romper o círculo'. Mas, infelizmente, consagram-nas porque estão quietas e silenciosas e para que assim permaneçam — e há muito poucas que utilizem o capital simbólico conferido pela consagração para falar, falar simplesmente, e também para fazer ouvir as vozes daqueles que não a têm.” Estamos conversados em relação a esses que adoram vir para este território para exibir a exemplaridade dos seus princípios e valores éticos. Na outra margem, está essa ideia da poesia que traz com ela uma forma de sermos compensados das misérias que sofremos. Se durante uns tempos a burguesia estabelecia em favor dos artistas de vanguarda uma procuração no sentido de exprimirem um protesto neste ou naquele sentido, delegando neles essas tarefas de subversão formal, também para se desobrigar de qualquer alteração das regras do jogo, hoje, o mercado tornou-se essa terrível abstracção que permite a qualquer um redigir páginas de argumentação caótica para justificar seja o que for. Em tempos chegou a exigir-se da poesia que viesse decretar o fim do dinheiro. Mas esse tipo de audácias foram perdendo a vez, e introduziu-se essa forma de suspeita automática diante de tudo o que possa vir a cambalear por aí com aquele cheiro das naturezas implausíveis. Chegava a altura de cada um dizer adeus às selecções absurdas, sonhos de abismo, rivalidades, paciências exaustivas, galope das estações, ordem artificial das ideias. Serviram-se de um século inteiro como exemplo para que abdicássemos da rampa do perigo, da ideia de haver tempo para tudo. "Dêem-se ao menos ao trabalho de pôr a poesia em prática", clamava Breton. Acrescentando: "a nós, que vivemos dela, cabe-nos fazer prevalecer o seu mais amplo relato". Mas, entretanto, mesmo o surrealismo já parece ter sido inteiramente neutralizado, sendo alvo das maiores suspeitas, denunciado pela moral dos nossos ...
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あらすじ・解説

Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho à conversa, leve ou mais pesarosamente, fundidos na bruma da época, dançando com fantasmas e aparições no nevoeiro sem fim que nos cerca, tentando caçar essas ideias brilhantes que cintilam no escuro, ou descobrir a origem do odor a cadáver adiado, aquela tensão que subtilmente conduz ao silêncio, a censura que persiste neste ambiente que, afinal, continua a sua experiência para instilar em nós o medo puro. Vamos desenterrar, perfumar e puxar para o baile os nossos amigos enterrados no jardim, e deixar as covas abertas para empurrar lá para dentro aqueles que só aí andam a causar pavor e fazer da vida uma austera, apagada e vil tristeza.
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