エピソード

  • A liturgia dos fogos na época de Job
    2024/09/19

    Em geral, as notícias que nos chegam da realidade lêem-se como episódios de uma qualquer ficção descontrolada, e depois de nos provocarem alguma indisposição, levam cada um a subscrever e afundar-se nesses canais de inanidades. As pessoas já nem se aferram a um resquício de esperança, simplesmente escavam as suas vidas como buracos, submergem-se nos seus delírios e compulsões. Perdemos o direito à acção, mesmo na sua forma desesperada. As nossas bibliotecas vão florescendo em torno de ruínas, prestando testemunho das muitas realidades que desapareceram para sempre, e, deixando em nós a sensação de em breve a própria realidade poderá desaparecer. Nas livrarias, ao lado dos relatos mais pessimistas temos esses mastigadores de palavras brandas e as suas ficções edulcoradas ou as autobiografias soluçantes e complacentes. Não vivemos sujeitos apenas a uma crise da imaginação, mas a uma fé negativa, a programas que dinamitam o infinito, as forças daquilo que deveria empurrar-nos para outro tempo. Prescindimos desse saber essencial que nos lembrava que somos habitantes de um mundo rigoroso, e que está inscrito em tudo uma ordem. Hoje tudo o que emerge tem de forçar o caminho, tudo o que nasce, nasce de imediato para a guerra, toda a esperança chega-nos aos ouvidos como um cântico de morte. No discurso daqueles que são sensíveis às novas causas, cada uma das suas palavras surge como um milagre de sobrevivência, como se fosse vegetação nascida do betão. Nas raízes da poesia, como nos lembra Borges, “está a épica e a épica é o género poético primordial, narrativo”. “Na épica está o tempo, na épica existe um antes, um enquanto e um depois”, adianta o majestoso fabulista argentino. Mas o homem da imortalidade que se transmite pelo canto da boca de uma geração ao ouvido da seguinte, e deixou-se degradar e submeter ao ciclo constante do consumo e à neurose patrocinada pelos efeitos publicitários, que gerou “uma segunda natureza do homem que o liga, libidinal e agressivamente, à forma da mercadoria”, diz-nos Marcuse. “A necessidade de possuir, consumir, manusear e renovar constantemente bugigangas engenhosas, dispositivos, instrumentos, mecanismos, oferecidos e impostos às pessoas para que usem esses produtos mesmo com risco da sua própria destruição, tornou-se numa necessidade ‘biológica’.” Antes, um sinal do espanto nos homens era a forma como resistiam à literalidade, a alimentar cada apetite mal este se lhe impusesse, havia um sentido de que o gosto se educada, e que em lugar de um fruto qualquer, há possibilidade de afinar a fome e alcançar aqueles amadurecidos ao longo de milénios, com um sabor enriquecido por migrações e regressos. Era outra coisa aquilo que buscávamos, e ainda persistem uns poucos por aí, que resistem a abdicar do tempo que se rege segundo o ritmo e a disponibilidade humana, alguns que se mostram capazes ainda de colher e remontar outras épocas, “esvaziar uma música como um saco (…) ordenhar um vinhedo como uma vaca/ desarvorar vacas como veleiros/ pentear um veleiro como um cometa/ desembarcar cometas como turistas/ enfeitiçar turistas como serpentes (…) depenar uma bandeira como um galo/ apagar um galo como um incêndio/ vogar em incêndios como em oceanos/ ceifar oceanos como searas/ repicar searas como sinos/ esquartejar sinos como cordeiros (…) tripular crepúsculos como navios/ descalçar um navio como um rei/ pendurar reis como auroras/ crucificar auroras como profetas” (Huidobro)… Não faz muito tempo, os homens ainda falavam entre eles uma linguagem de incêndios, tinham um vigor que se alimentava na natureza de forma a transcendê-la. Hoje, somos incapazes de colher uvas nos espinheiros ou figos nos cardos. Mesmo a literatura deixou de se exercer em flagrante delito. A velocidade substitui o tempo enquanto ordem ou efeito que impedia tudo de suceder em simultâneo e, desse modo, encadear algum tipo de nexo narrativo. Somos projectados na inconsciência pelo ruído de todos esses “acontecimentos que não têm o seu próprio lugar no tempo, os acontecimentos que chegaram tarde demais, quando todo o tempo já foi distribuído, dividido, desmontado, e que ficaram em suspenso, não alinhados, flutuando no ar, sem lar, errantes” (Bruno Schulz). Hoje a própria espécie humana perdeu a ligação com a realidade, e deriva em suspenso, impondo as suas ilusões como uma doença que procura paralisar todos os ciclos.

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  • Marialvas, beatos, estrategas do armário
    2024/09/12
    Ao que parece a maior ambição do português é deixar de o ser. Ele viaja para ir descobrir a sua verdadeira nacionalidade, e adora cumular esses traços admiráveis dos povos como ele os fantasia e reconhecer-se aqui e ali, como quem recolhe diferentes opções num buffet. Portugal é o lugar onde o seu exílio se cumpre, e o país serve apenas para tornar ainda mais pronunciado o contraste, para engrandecê-lo. O herói português tem de ter pelo menos uma costela estrangeira, e fala por referência a este sítio como o lugar onde a aventura do seu sangue encalhou. Se o brasileiro é um feriado, como notou Nelson Rodrigues, por cá o nosso reaça de estimação garante que temos a praia como nossa mitologia. A copiar o estilo MECDonald, o Mexia diz que pouco importa onde fazemos praia, que esse verbo, “fazer”, diz tudo, e faz da praia uma actividade, algo que permite pôr um modo da acção nos momentos em que não se está a fazer puto. É um pouco a condição de todos aqueles que mais fazem por cá, ou seja, o aparecer em público a dizer e fazer o que os outros fazem em privado, isto basta para se elevarem a figuras de relevo, uns autênticos mitos nacionais. É o caso dele, e daqueles amigos que ele nas crónicas insiste que tem, mas só naquelas em que não nos vem falar de traições e intrigalhadas a que ele vai aludindo sem nunca explicitar, sempre que, para vir mandar recados, gosta de se travestir de grande parabolista. Ele garante que a praia não é apenas uma estância, uma experiência, uma temporada, que é também uma memória que nos define, e que ele e os amigos todos falam longamente das praias que frequentam ou frequentaram, as praias da infância e depois aquelas que servem para gastar alguma crónica de verão a vir-nos com os seus hábitos e a sua etiqueta balnear. Felizmente, por este ano já nos livrámos, não só dessas zonas mitológicas, como dessas feitorias. Setembro veio com maus modos, antecipou o frio e deu um encontrão aos nossos capitães da areia. Mas esta ideia de não se fazer nenhum, não se transformar nem introduzir nada de novo tem provado ser uma carreira extraordinária e um regime de cumplicidades fabulosas para aqueles que alargaram a tantos outros campos da nossa vida pública este modelo de laborioso fare niente. Veja-se o humor português que desenvolveu recentemente esta vertente tão proveitosa de copiar tudo tal como está e vir desenhar um bigodinho em horário nobre diante de uma plateia que em vez de marchar está para ali na galhofa, a assistir a uma montagem de excertos da realidade como ela é apercebida pelo olho do cu das nossas estações televisivas. O país já nem se reconhece a não ser que esteja a dar na televisão, e não se ri sem ter um maestro para fazer esses recortes e dar os sinais com a batuta: agora todos. E eles riem-se. Do quê? Do país, claro. Com o qual eles não têm nada a ver, pois no fundo são estrangeiros. O cinismo e a hipocrisia consumiram todas as expressões de reflexão, e a cultura portuguesa apenas se deixa enquadrar num regime anedótico. Enquanto isso, a educação moral e religiosa concebe o seu inferninho mediático e distribui a vergonha, a culpa e, por fim, a redenção, e boa parte dos nossos humoristas não passam de padrecas. A chave burocrática na base deste enredo é a capacidade de se lidar com a chatice, as tristuras e a miséria nacional revertendo-as em motivos de chacota… contra os portugueses, mas nunca contra si mesmo. Este é o grande subterfúgio, a única forma de funcionar eficazmente num ambiente que exclui tudo o que seja vital e humano. De respirar, por assim dizer, sem ar. Esse tédio que noutras partes corrói as pessoas na sua relação com o quotidiano, por cá transforma-se numa estratégia de clivagem e num álibi, e ainda numa ocupação desdenhosa. É uma receita de escabeche para consumir os complexos e falhas de carácter que se imputa sempre aos demais. Assim, e servindo-nos da pista fornecida por Foster Wallace, a chave para criar esta desafeição passa por esta capacidade, inata ou adquirida, de encontrar o outro lado da miséria, da inércia, da ninharia, da mesquinhez, da repetição, da complexidade sem sentido. De ser, em resumo, imune à nossa condição comum. Mas esta forma de imunidade acaba por revestir toda uma formação para a indiferença, e podemos sempre contar com os nossos palhaços cínicos para presidirem em horário nobre à grande homilia em que, em vez de uma hóstia, cada um cospe na pia onde alguma representação nossa é posta a arder. Esta capacidade de se anestesiar face à realidade que nos é comum não seria possível sem um quadro mediático que se especializou em alimentar esses complexos e a ideia de que o riso alarve é o melhor remédio. O limbo foi abolido pelo Vaticano, e uma vez que estava por aí, num desses caixotes dos saldos metafísicos, foi comprado por uns patacos e instalado por aqui enquanto programa de ...
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  • A guerra de tronos e os paquidermes ilhados
    2024/09/04
    Antes de partirmos, todos entendemos que as férias poderão elevar a um estatuto lendário as nossas existências neuróticas. Faz parte das fantasias pequeno-burguesas ir tracejando nalgum canhenho as metas secretas da vaga peregrinação que cada um se promete. Para não desiludirmos o quadro que nos envolve, também fomos ver essa coisa do verão, esse negócio familiar que impinge desde há décadas, e com indesmentível sucesso, retratos e molduras que, passados anos, têm essa capacidade de apanhar-nos tão maltratados que nos pomos a remexer no passado e acabamos embevecidos diante de um tempo que se fixou nas leves linhas de um desenho, servindo estas à composição de uma elegante melancolia heráldica. Fomos ver o mar, que não quis engolir-nos, sentindo que o enjoo que trazíamos era demasiado pesado até para ele. Regressamos, assim, a estas lides maldosas como dois enjeitados, com a fenda ou a racha do carácter ainda mais pronunciada. E vimos a fazer aquela fita de quem virara costas, com o desejo de se reformar, limpar a sujeira debaixo das unhas da alma, recolher-se nalgum grupo de canto coral, e logo quando queríamos deixar a carreira de perversidade para trás, eles puxam-nos de volta. Se pensarmos nisso, é curioso como as Histórias da Literatura nos seus anais quase sempre passam ao lado das formas de corrupção mundana que marcam cada um dos períodos, quase nem se acham registos da maledicência, da bisbilhotice, da pretensão ou do calculozinho, não há compêndios que nos permitam relativizar o desgosto diante do ranço que caracteriza estes dias permitindo-nos colher antecedentes escabrosos, exemplos da desonestidade, do fanatismo estúpido ou vingativo de outras épocas. Como assinalou Max Aub, “nos documentos nunca há filhos da puta. E Deus sabe que eles são incontáveis". Por cá, tudo se confunde. Vivemos cercados de uma gente que põe e dispõe segundo as suas conveniências. Já traficam indistintamente a realidade e as superstições, promovem juízos absurdos, sempre subjugados às lógicas do consumo. Qualquer agremiação de nabos tem o seu quartel, e em vez de manter em estado de anarquia o âmbito dos seus desejos, deliram com hierarquias, com esses títulos sempre infinitamente insignificantes. A mesquinhez toma conta das suas performances, entregando-se a uns dramas caricatos na ânsia de se representarem como altas dignidades. Se em tempos podia contar-se com um número apreciável de escribas que não queriam nada com as distinções ou os snobismos bacocos que caracterizam o campo cultural e quem lá anda, que lançavam o seu desafio e se borrifavam nas corridas de lebres, rindo dos que buscam por todos os meios entronizar-se, hoje são estes que se vêem denunciados e sujeitos a isolamento. Certa vez, Pierre Bourdieu exprimiu da forma mais eloquente a sua desilusão diante dos chamados intelectuais... “Quando disse, no início, que esperava que o senhor [Günther Grass] fosse 'abrir a boca', é porque penso que as pessoas consagradas são as únicas capazes, em certo sentido, de 'romper o círculo'. Mas, infelizmente, consagram-nas porque estão quietas e silenciosas e para que assim permaneçam — e há muito poucas que utilizem o capital simbólico conferido pela consagração para falar, falar simplesmente, e também para fazer ouvir as vozes daqueles que não a têm.” Estamos conversados em relação a esses que adoram vir para este território para exibir a exemplaridade dos seus princípios e valores éticos. Na outra margem, está essa ideia da poesia que traz com ela uma forma de sermos compensados das misérias que sofremos. Se durante uns tempos a burguesia estabelecia em favor dos artistas de vanguarda uma procuração no sentido de exprimirem um protesto neste ou naquele sentido, delegando neles essas tarefas de subversão formal, também para se desobrigar de qualquer alteração das regras do jogo, hoje, o mercado tornou-se essa terrível abstracção que permite a qualquer um redigir páginas de argumentação caótica para justificar seja o que for. Em tempos chegou a exigir-se da poesia que viesse decretar o fim do dinheiro. Mas esse tipo de audácias foram perdendo a vez, e introduziu-se essa forma de suspeita automática diante de tudo o que possa vir a cambalear por aí com aquele cheiro das naturezas implausíveis. Chegava a altura de cada um dizer adeus às selecções absurdas, sonhos de abismo, rivalidades, paciências exaustivas, galope das estações, ordem artificial das ideias. Serviram-se de um século inteiro como exemplo para que abdicássemos da rampa do perigo, da ideia de haver tempo para tudo. "Dêem-se ao menos ao trabalho de pôr a poesia em prática", clamava Breton. Acrescentando: "a nós, que vivemos dela, cabe-nos fazer prevalecer o seu mais amplo relato". Mas, entretanto, mesmo o surrealismo já parece ter sido inteiramente neutralizado, sendo alvo das maiores suspeitas, denunciado pela moral dos nossos ...
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  • A guerra para derrubar a Torre de Babel. Uma conversa com Hugo Maia
    2024/07/20
    Antes de vos darmos férias por tempo indeterminado, e de nós mesmos irmos por aí fazer figuras nas estâncias balneares ou, simplesmente, como ursos polares que, por serem incapazes de saltar das placas de gelo, desenvolvem essa forma de camuflagem que passa por se disfarçarem de turistas de modo a colherem este ou aquele benefício fiscal, atiramos mais uma vez o bote para vasculhar com os remos a superfície de um naufrágio de tal modo vasto que tem sabido passar desapercebido. E, porque somos teimosos, voltamos às questões da língua, e com a orientação de Hugo Maia, tradutor a partir do árabe, vamos tentar admirar as subtilezas nas diferenças ou semelhanças entre o lado de cá e o de lá, assinalando alguns aspectos perniciosos no movimento de tradução, em que tantas vezes um texto invade o original, decompondo-o em partes lexicais, gramaticais, num regime de dissecação que traz riscos óbvios, desde logo porque há tradutores que, mesmo cheios de boas intenções, acabam por ferir de morte aqueles textos que procuram verter para outro idioma. Mas há outros perigos, como assinala George Steiner, desde logo essa ideia de ir buscar alguma coisa ao estrangeiro e logo regressar a casa: "o trazer de volta do sentido 'capturado' para a língua e solo nativos". "São Jerónimo, um grande tradutor, refere-se precisamente à tradução quando fala do significado caputrado e levado para casa numa espécie de triunfo romano", adianta Steiner. Tantas vezes a língua é essa arma disfarçada, e à medida que esta se alimenta de significados que lhe são estranhos não é raro que produza uma adaptação que funciona como uma carcaça para consumo pela matilha. De resto, como vinca Pascal Quignard, "com-preender é aprender com outros". "Ora, a predação com outros é a matilha. Deste modo, se compreender nunca é mais do que matar, se perceber nunca é mais do que diferenciar silhuetas que dão medo, toda a praedatio é um transporte de morte, todo o narrador é um regressado do mundo dos mortos, toda a narração impõem uma gramática do passado (é um retorno que não pode dizer o ir senão porque o re-torno teve lugar)." Este mesmo autor esclarece como os homens tão raras vezes têm consciência dos seus processos de predação no que toca ao esforço de traduzir de forma compreensiva uma ideia, uma imagem ou uma narrativa que lhes é alheia, sobretudo se a sua estranheza lhes provocar vertigens. "Os homens raramente abrem os olhos para a anarquia aterradora da crónica humana. Qualquer catástrofe se torna aos olhos humanos, isto é, no fundo da sua memória inevitavelmente linguística, uma prova que tem um sentido. Esse sentido é o de uma saciedade, ou seja, uma paz. O narrador social (o mito) defende sempre a reprodução da ordem social que ele inscreve violentamente no lugar contra o 'parasita' que daí desaloja através do sangue e de quem devora a morte violenta e a aparência e até a recordação. Cada povo distribui a si mesmo os seus feitos orientados, as suas associações a posteriori, as suas mentiras, os seus 'facta falsa', de língua para língua, ou seja, de comunidade para comunidade." Tendo isto em conta, e se são evidentes os benefícios em termos de comunicação e até num plano nutritivo para um idioma absorver os recursos de outro, é preciso também reconhecer como a tradução deve ser exercida como uma tarefa crítica, e não apenas norteada segundo princípios de ordem filológica, uma vez que este transporte de um significado acaba por trair algum do ânimo, seja na forma ou no conteúdo, do texto invadido. Nos séculos das grandes explorações marítimas, as manipulações intermináveis a que foram sujeitas as representações ou narrativas míticas de cada povo iam no sentido de servir os interesses de expansão dos poderes europeus. Estes competiam uns com os outros para conquistar ou controlar faixas de terra cada vez maiores, a fim de poderem explorar e monopolizar os valiosos recursos naturais e mercados das outras nações. Mas e o que ocorreu na forma como se operou o trânsito de ordem cultural e linguístico? Sabemos como naquele processo, tantos povos indígenas foram subjugados e destruídos, tantas lendas apropriadas e e reviradas de forma a servirem os impiedosos interesses ou as narrativas heróicas dos descobridores. Não se trata de propor novas grelhas de revisionismo, mas de não encarar a tradução meramente como um processo técnico, e antes reconhecer que as traduções só se fazem tão impunentemente quando não é tido em conta a diferença de perspectiva e de olhar, até de mundos a que corresponde este ou aquele texto. Quignard compara a tradução a esse processo que passa por dar morte, para depois ingerir, digerir e por fim excretar o original: "o mito transporta o seu conteúdo como o caçador carrega ao ombro um transportado que está ligado a um assassínio anterior ao seu próprio retorno, pois é o assassínio do ...
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  • Os devoradores de épocas. Uma conversa com António Hess
    2024/07/12
    "Neste tempo que se tornou uma ciência, um conhecimento criminoso da vida" (André Roy), seria preciso resgatar de novo o sentido original, o ímpeto nascente, junto às fontes, e não ficarmos remetidos a uma cultura de remastigação, e de reproduções inertes, ao ponto de vivermos imersos em ecos de ecos, num ruidoso enredo que, sem a menor clareza de ideias, apenas exprime impotência. Alguém mais vincava como "todos os amantes partilham a sua infância e são donos uns dos outros". Mas se entre nós alguém notou que estava na hora de chamar o amor para a mesa dos canibais, disso só ficou a ideia de que já estaríamos encaminhados no sentido do progresso se os canibais começassem a comer com faca e garfo. Entretanto, afastaram e perseguiram os canibais e todos os famintos, e a cultura ficou-se pelos bons modos a observar à mesa e pelos serviços de loiça e faqueiros. Perdemos o caminho, o ritmo, o assobio que nos instigava, e essas artes de transmissão, de revigoramento dos exemplos que nos precederam, e se rodeamos os clássicos de um culto esterilizante, é natural que a poesia portuguesa dos últimos tempos, sobretudo aquela que mais se faz exibir, não tenha nada para dizer, uma vez que já nasce para se entregar ao luto, imita os bustos e fez da arte do epitáfio outra indústria de slogans. Considerando a forma como o público celebra as suas eucaristias com corpos mortos, os poetas, como notou Ezra Pound, aspiram a ser iguais às ostras: querem ser engolidos vivos. Seria preciso reatar esse sentido que derrota a ridícula noção do tempo como construtor de distâncias ou barreiras intransponíveis. Os clássicos são esses amantes que partilham a sua infância, e são eternos contemporâneos. Mas as crenças que presidem às nossas orientações estéticas são todas de ordem mais ou menos miserabilista, suplicantes, patéticas. Deveríamos recuperar esses "Versos de Guerra" que nos deixou o melhor dos artífices da palavra: "Ó poetas de um tostão, acalmai-vos! –/ Pois vós tendes nove anos em cada dez/ Para andar aos tiros por glória –/ com pistolas de brincar;// Acalmai-vos, deixai os soldados tomar os seus lugares,/ E não tenteis sacar a vossa glória postiça/ Das ruínas de Louvain,/ E muito menos da fumegante Liège." Se vos fazemos a guerra na cultura é precisamente para não termos de a levar para outro lado. Hoje querem fazer da arte mais outro recreio do mercado, emulando as suas dinâmicas especulativas, esse parasitismo inconsequente. Mas diante da ignorância e desinteresse pelas grandes obras do espírito e pelo tumultuoso percurso que foram desenhando as nossas tradições, é preciso uma vez mais reabilitar a própria função da cultura, esse princípio de ordenação do conhecimento de modo a que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar um mínimo de tempo com obras ou produtos obsoletos. No fundo, só os amantes têm pressa pois só eles sabem, como notou Esopo, que "há toda a diferença do Mundo entre correr para apanhar algo e correr para salvar a pele". António Hesse, nosso convidado neste episódio, tem tido a crueza de retomar o sentido de urgência de uma literatura exaltante e que se elaborava através de manifestos. Naquele que ele tem distribuído, lembra-nos a importância de "assumir que o desespero continua a ser dínamo impreterível para os grandes transgressores – ladrões, vilões, desgraçados e iluminados". E o amor clássico é tudo menos essa "pressa de moribundo a testamentar antes que o cacem". Nesta conversa, sob o signo ou a configuração astrológica que Pound nos serviu, quisemos refazer esse mapa para as maiores urgências, aceitando que este é um tempo em que o mais difícil é elevar a vida a esse território invisível e imortal onde ainda soam as grandes passadas que foram dadas há séculos ou milénios como há segundos. Com estrondo, gerando sérios confrontos e desacatos. Toda a ordem nasce de um breve momento de tréguas antes de alguma outra coisa nos precipitar de novo numa guerra onde o que mais importa é estar nela com o mais alto grau de discernimento. Esse campo de batalha é-nos oferecido pela grande literatura, que Pound define como os casos em que a linguagem se vê carregada de significado no máximo grau possível. E para nos livrarmos desta cultura de mastigadores ruidosos que quando acabam de deglutir não têm nada mais para acrescentar, para contrariar os efeitos devastadores desta era de ciência e abundância, ele lembra-nos que "o amor e a reverência pelos livros como tais, próprios de uma época em que nenhum livro era duplicado até que alguém se desse ao trabalho de copiá-lo à mão, obviamente, já não respondem 'às necessidades da sociedade ou à preservação do saber". Simplesmente, sufocamos debaixo de todo o lixo que é posto à nossa disposição pelo tipo de ignorantes que, por não terem a menor perspectiva sobre o ...
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  • A China e o nosso espectadorismo distante. Uma conversa com Tiago Nabais
    2024/07/05
    Hoje o mundo não sabe estar quieto. Em vez de o trânsito ser de ordem cultural, o regime da competição introduziu um elemento de constante disputa, conflitos de influência e poder. As nações procuram extravasar e invadir-se, e é próprio desse quadro a ideia do revisionismo, a forma como o esforço de subsumir o passado leva a que os nossos juízos procurem consumir toda a história anterior. Talvez pior do que o roubo de bens culturais de outras culturas e povos é essa forma de traficar os objectos culturais, sejam eles a iconografia religiosa, a pornografia ou Das Kapital, submetidos a um sistema de equivalência, organizando tudo segundo valores monetários. Aos poucos toda a ideia de cultura reverte para a ideia de museu. Como nos diz Mark Fisher, "se percorrermos o British Museum, onde é possível vermos objectos arrancados aos seus mundos da vida e reunidos como se no convés de uma nave espacial do Predador, ficaremos com uma imagem desse processo em curso". "Com a conversão de práticas e rituais em objectos meramente estéticos, as crenças de culturas anteriores vêem-se objectivamente ironizadas, transformadas em artefactos." Em seu entender, a grande potência do capitalismo é ser essa entidade monstruosa e infinitamente plástica, capaz de metabolizar e absorver tudo com que entre em contacto. Este efeito aplicado à história leva a um tal grau de saturação desses elementos que uma época assume "um perigoso espírito de ironia em relação a si mesma", como escreveu Nietzsche, "e subsequentemente ao espírito ainda mais perigoso do cinismo", no qual, "a palpação cosmopolita", um espectadorismo distante, na formulação de Fisher, vem substituir o empenhamento e o envolvimento. Demasiada realidade adoece-nos os sentidos, uma vez que já não somos capazes de reconhecer as diferenças e as propriedades que conferem autonomia e respeitam a estranheza de umas peças de um puzzle face às de outro. É como se em vez de montar um puzzle de forma paciente, respeitando a integridade da sua vizão e a ordem que lhe é própria, fôssemos usar cola ou argamassa, sem ter em atenção cada uma das peças. Mais valia sentir diante dessas realidades distantes um vago fascínio, apenas impressões algo desconexas, peças desirmanadas, que não nos confortam com a ilusão de uma perspectiva clara e unitária. Mais vale ter aquele sentimento do aldeão de Tonino Guerra, que, no segundo canto do extraordinário álbum de lembranças a que ele chamou "Mel", nos diz isto: "Deitei fogo a páginas de livros, a calendários/ e mapas. Para mim a América/ já não existe, a Austrália igualmente,/ a China na minha cabeça é uma fragrância,/ a Rússia uma alva teia de aranha/ e a África o sonho de um copo com água." Mais vale uma ignorância humilde e respeitosa, do que presumir que se sabe alguma coisa, que se viaja e viu fosse o que fosse porque um tipo se meteu num avião e aterrou lá ansioso, integrando uma dessas expedições famintas por pedaços da História, que vão por ali disparando a objectiva sobre uns quantos monumentos de forma a provarem a si mesmos e, sobretudo, aos outros que estiveram lá. Como nos lembra Pascal Quignard, em latim, vigiar do alto de um lugar um qualquer sinal de morte para até ele se precipitar como uma ave necrófaga diz-se especular. No fundo, é só isso o que servimos aos turistas que nos assediam nestas cidades exaustas: sinais de morte. Cumprimos o nosso papel como parte de um cenário moribundo. Em vez da arrogância de absorver totalidades, mais vale encantar-se por um elemento de composição qualquer, animar-se com esses cacos que nunca nos poderiam servir como indicações para a plenitude seja do que for. Seria mais útil escrever-se uma história apócrifa da porcelana, como fez Ivan Krustev, em lugar de depredar a agonia daqueles que apenas surgem ao fundo, nos postais dos turistas. "A paixão pela porcelana, Europa do século XIX./ Serviços, elefantes e copos./ O mundo é vasto e bom,/ Distinto, frágil, aristocrático./ E há algo para além disto,/ O horizonte ergue-se transparente./ A América é só uma costa./ E a China um gato preto./ Montesquieu continua a redigir/ As suas cartas sobre filósofos./ Os eruditos usam perucas/ E as senhoras - flores./ Os soberanos não são dementes/ E, no entanto, não são grandes inteligências./ Nenhum fantasma persegue a Europa/ E o amor é fantasmagórico./ Infelizmente os poetas são de salão,/ Felizmente os seus poemas não./ E a liberdade, como um jarro,/ Está no centro do pensamento./ A nova história começa/ Com fragmentos de porcelana./ Enterrada em pequenos elefantes brancos/ Deixamos a idade da Razão para trás." Neste episódio fomos beber o que podíamos à experiência de Tiago Nabais, investigador e tradutor de autores chineses como Yu Hua e Yan Lianke, alguém que passou uma década na China, a ensinar português em várias universidades, e que, sem poder levar-nos lá, deu-nos ...
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  • Fazer do verbo carne. Outra conversa com Luís Filipe Parrado
    2024/06/28

    São demasiadas palavras. Parece que nos barricamos atrás delas. E a relação que mantemos com os textos parece cada vez mais da ordem da frieza, do distanciamento, uma forma de se prometer a certas causas e ideias, adiando o momento de deflagração. Escrever não passa assim de integração, legitimação, reconhecimento, academização nos palácios, glória na memória, como nos diz Quignard. Se parece haver mais erudição do que nunca e o nível geral dos literatos até revela uma certa elevação, depois as inspirações revelam-se vazias. A cultura não parece apostada em assumir uma determinação combativa. As figuras que por ela respondem acoitaram-se “numa sageza triste que interioriza como uma tara um saber inutilizável para o ataque”. Como vinca Sloterdijk, “o mal-estar na civilização adquiriu uma nova qualidade: aparece como um cinismo difuso e universal”. Este filósofo alemão nota como o humor crítico por estes dias se volta nostalgicamente para o interior num jardinzinho filológico onde se cultivam as íris benjaminianas, as flores do mal pasolinianas e as beladonas freudianas. “A crítica, em todos os sentidos do termo, vive tempos enfadonhos. Começa de novo uma época da crítica mascarada em que as atitudes críticas estão subordinadas às funções profissionais. Criticismo de responsabilidade limitada, Iluminismo de fancaria como factor de êxito – atitude no ponto de intersecção de novos conformismos e de antigas ambições." Ele aponta para esse vazio de uma crítica que quer cobrir com o seu ruído a própria desilusão. Neste sentido, a escrita torna-se uma ocupação diletante, a transmissão de saberes faz-se sem um empenho sério, sem uma correspondência entre as posições defendidas e as atitudes assumidas na própria vida. Ficamos diante de um teatro de desertores, e toda a representação não passa de uma forma de impostura. Quignard dá-nos o exemplo de Agrippa d’Aubigné, para quem escrever “significava anacorese religiosa face à religião comum, deserto face às cidades, vingança dos seus íntimos que haviam sido executados, fidelidade aos vencidos, aventura, esquecimento”. “É o letrado concebido como o porta-voz dos mortos, desalinhado com a História, malfadado nos dias, engolido pelo silêncio anterior às línguas", acrescenta o escritor francês. Nada disto poderia estar mais distante dessa postura lacónica e enfadada dos escritores contemporâneos, que parecem só sentir algum entusiasmo por ver as suas obrinhas, apesar de tudo singrarem, triunfarem neste ambiente de desagregação. Por toda a parte, vemos as instituições de ensino serem cooptadas pela engenharia da miséria programada, e a cultura e os saberes parecem troçar dessas liturgias que se organizam em seu nome, essa imensa festa sensaborona, entre o tipo de gente que não pretende desencadear qualquer tipo de mudança. Num episódio em que quisemos deter-nos sobre a crise do ensino, da transmissão dos saberes, Steiner serviu-nos algumas pistas… “A maior parte da literatura ocidental, que durante mais de dois mil anos se abriu deliberadamente a uma interacção, na qual a obra ecoava, espelhava, aludia a obras anteriores, pertencentes à tradição, está a afastar-se com uma rapidez cada vez maior do alcance do leitor. Como as galáxias remotas que se estendem para lá do horizonte visível, o núcleo da poesia inglesa do Ovídio de Caxton a Sweeney among the Nightingales, está hoje a passar da presença activa à inércia da conservação universitária. Assentando firmemente numa profunda e ramificada anatomia de referências clássicas e bíblicas, expressando-se numa sintaxe e num vocabulário peculiares, o arco completo da poesia inglesa, do diálogo mútuo que liga Chaucer e Spenser a Tennyson e a Eliot, ultrapassa rapidamente a capacidade de apreensão da leitura natural. Há uma vibração de fundo da consciência e da linguagem que se transforma hoje em material de arquivo.”

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  • A fábrica de funcionários. Outra conversa com Frederico Neves Parreira
    2024/06/21

    “Se a estupidez não se assemelhasse, a ponto de se confundir, com o progresso, o talento, a esperança ou o aperfeiçoamento, ninguém desejaria ser estúpido”, isto foi notado por Musil, mas adiantaríamos que a característica que distingue a estupidez produzida pelo nosso tempo é esta: a sua adequação às próprias noções de sucesso. Afinal, este é um tempo que se destinou ao desastre, e, assim sendo, é natural que as hierarquias nos ponham diante de autênticas conspirações de estúpidos. Só se afirmam esses seres incapazes de uma consciência clara do ridículo das suas existências. Triunfo é uma forma de fanatismo de si mesmo. Essa é a única promessa que o homem contemporâneo é capaz de se fazer, a de que, se o mundo o contrariar, está legitimado para dar cabo dele. Nas promessas que o homem se faz, o mundo foi-se tornando cada vez mais um empecilho, algo inconveniente, e daí que os estúpidos se tenham encarregado de triturá-lo aos poucos, obtendo um lucro fabuloso nessa operação. Olhamos ao nosso redor e toda a existência humana parece estar prometida a este projecto, e todos se mostram imensamente confiantes com o progresso da operação. Na verdade, esta completa falta de noção do ridículo é aquilo que garante que qualquer esforço de crítica seja visto como uma forma de pretensiosismo, uma atitude própria de quem está apostado em perturbar o curso da evolução histórica. No fundo, os estúpidos somos nós. E esta inversão extraordinária garante, pelo caminho, que já ninguém possa ser chamado à razão. O efeito de intimidação é de tal ordem que são cada vez mais escassos os pensamentos que respondem a esta conspiração através da recusa das suas orientações, até porque a linguagem mesma tornou-se imensamente pantanosa, os termos e os conceitos viram-se apropriados pela estupidez, pelos seus valores contagiosos, por essa inversão do sentido, de tal modo que quem questionar seja o que for obriga-se a um exame de tal modo implicante que a maioria se perde, distraindo-se com outra coisa. Qualquer letrado, ao introduzir a suspeita e afastar-se do idiolecto imbecilizante e inteiramente recamado na forma de frases feitas, transforma-se de imediato num ser incómodo, e é ele que atrai sobre si a rejeição dos demais. Hoje, cada escritor que viole esse circuito de noções desastradas vê-se transformado no artista da fome, recusando esse venenoso sustento, apresentando-se na figura do protagonista de um conto de Kafka que exibe como espectáculo o seu jejum prolongado, e que tem de fazer um esforço absurdo para que o público não escolha outro entretenimento. É o próprio destino horroroso que temos diante de nós aquilo que estranhamente nos hipnotiza e atrai. Não conseguimos recusá-lo, pois isso significaria travar uma luta apenas para adiar algo que parece estar inscrito nos sonhos da espécie. Há um desejo cada vez mais desinibido pelo desastre. Como nos diz Pascal Quignard, “matar-se é a paixão específica da espécie homo, fazendo jorrar o seu sangue negro, o seu vírus, a sua virtus, opondo-se às outras feras, nas quais a predação é simplesmente suscitada pela presa que as saciará, e também imediatamente saciada na medida em que a sua fome fora rigorosamente suscitada”. Arrancámo-nos à natureza, e esta dissolveu-se dentro de nós. Agora estamos cativos de uma irresolução permanente, de uma fome insaciável. “As centenas de milhões de ecrãs que cobrem o planeta transformaram-se no novo órgão fascinante, substituindo sacrifícios e ritos, multidões peregrinas, massas espezinhantes. É a sedentarização final. É o progrom tornado imóvel. Se o espectáculo não apazigua inteiramente a fruição horrorizada que este suscita, pelo menos crava no lugar o espectador que examina o sangue a escorrer. Faz daqueles que sidera presas com moradas, documentos de identificação, cartões bancários, vítimas numeradas, corpos sentados e petrificados susceptíveis a todas as extorsões e a todas as pilhagens. (…) O ódio, uma vez tornado imóvel a esse ponto, transforma-se em medo. O medo, esse companheiro único do desejo, confinado na sedentariedade e na propriedade fundiária, é reformulado como angústia. Essa angústia procura protecção junto do poder que ela mesma delegou ao pavor para conter o seu assombro, no qual consente como se não lhe pertencesse sob a forma de obediência, de liberdade mortificada, de imobilidade psíquica, de indolência social. Aquilo a que as democracias chamam política, desde o início deste século, olvidando o horror do século que precedeu este novo século, está a cometer o erro de criminalizar a contestação que as fundamenta e que deveria agitá-las até ao tumulto para as manter vivas.”

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