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サマリー
あらすじ・解説
Fernando Matos Silva foi um dos nomes do “Cinema de Abril”, quando o cinema retratou a Revolução dos Cravos e se deixou transformar por ela. O seu primeiro filme foi o último a ser proibido pela censura do Estado Novo, depois foi um dos fundadores de um colectivo que filmou as lutas revolucionarias pós-25 de Abril e também desmontou os mitos do “Império” com imagens que rodou às escondidas quando era conhecido como “Capitão Fellini”. Fomos conhecê-lo, à margem de um ciclo sobre cinema revolucionário português, em Paris. Assim que a madrugada “emergiu da noite e do silêncio”, naquele “dia inicial, inteiro e limpo”, Fernando Matos Silva começou logo a filmar com os companheiros que tinham preparado todo o material na véspera. Aguardaram, à noite, em casa, as duas senhas do 25 de Abril e horas depois estavam em frente ao Rádio Clube Português. Eram as primeiras imagens da Revolução dos Cravos, Portugal escrevia história e Fernando Matos Silva filmava as primeiras manifestações de liberdade. E continuou por esses caminhos, os da liberdade, até hoje, aos 84 anos.“A palavra mais gritada era liberdade, liberdade, liberdade”, conta empolgado, fazendo renascer aquelas imagens de um povo exultante que tanto marcaram quem as viveu e quem as tem herdado. A conversa com “um dos cineastas essenciais para compreender o Cinema de Abril” - como resumiu o catálogo da retrospectiva feita pela Cinemateca Portuguesa em Janeiro de 2024 - acontece horas antes de um ciclo de cinema intitulado “A Revolução das Imagens – Revolução e Descolonização em Portugal (1974-1977)” na Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris.Esta foi uma homenagem ao cineasta que já participava na “revolução das imagens” em Portugal antes da Revolução dos Cravos e antes da efervescência do “Cinema de Abril”. Fernando Matos Silva foi uma figura importante do Cinema Novo português, o movimento que sacudiu a história desta arte em Portugal.Estudante de Economia apaixonado pelo cinema, bem jovem inscreveu-se no curso de Cinema Experimental do produtor António da Cunha Telles, em 1961, e a ele ficou ligado como assistente em produções como “Os Verdes Anos” (1963) e “Mudar de Vida” (1966) de Paulo Rocha, “Belarmino” (1964)de Fernando Lopes ou “As Ilhas Encantadas” (1965) de Carlos Vilardebó.Estudou, depois, cinema, entre 1963 e 1965, na London School of Film Technique, onde viveu a efervescência das novas vagas cinematográficas. De 1969 a 1971 andou pelos Serviços Cartográficos do Exército na Guiné-Bissau e em Angola, onde conheceu futuros capitães de Abril e onde filmou o que lhe pediam e o que não era suposto.A sua primeira longa-metragem, “O Mal Amado” (1974) foi o último filme a ser proibido pela censura do Estado Novo e o primeiro filme português a estrear após o 25 de Abril.Foi uma filmagem quase secreta, não houve uma única entrevista a não ser no último dia quando filmámos a cena do candeeiro com um beijo muito longo e que é muito bonita. Só nessa altura é que houve uma notificação pública de que o realizador Fernando Matos Silva acabava, naquele dia, o filme “O Mal Amado”. Fiz a montagem, os acabamentos e, em Setembro de 1973, o filme foi para a censura. A censura viu e disse que eu era iconoclasta, destruidor da família, destruídor da Nação, dos bens morais, que era um atentado à família… Depois vieram ameaças, vieram telefonemas, ameaça de destruição do filme…“O Mal Amado”, rodado em Maio e Junho de 1972, era um filme a pensar na revolução... O jornal Público fala dele como “um dos mais extraordinários retratos sociais da panela de pressão que era Portugal nos últimos tempos do regime”. Ainda que o realizador admita que sabia que se estava a preparar algo entre os capitães, não sabia quando, nem como. Pelo menos foi o que disse a uma espectadora no dia da estreia do filme - a 3 de Maio de 1974 no cinema Satélite, em Lisboa. Explicação essa que não a convenceu...É uma história lindíssima. Houve uma senhora de idade, no fim, que disse: “O senhor é que é o realizador da fita?” E eu disse: “Sou”. E ela: “Diga-me lá uma coisa, o senhor já sabia que ia haver a revolução, não já?” E eu: “Quer dizer, eu por acaso no dia 24 estava na Revolução, sabia, mas quando fiz o filme não sabia”. E ela: “Sabia, sabia! Então o senhor até tem o General Costa!” Porque há uma cena muito bonita que são os velhos conspiradores, que sou eu, o meu irmão e o Álvaro Guerra - os autores do filme - a fazerem de velhos e a conspirarem.Foi no dia 24 de Abril que o amigo jornalista Álvaro Guerra lhe ligou para preparar “o jantar”. Ora, “o jantar alentejano” era a senha, entre eles, que a Revolução estava a chegar. Fernando reuniu, então, os companheiros para “o jantar”, prepararam a fita a preto e branco e a Paillard de 16mm, ouviram o “E Depois do Adeus” e a ...